EDITORIAL


Fui recentemente confrontado com uma, suponho recente, entrevista do Fernando Ribeiro à revista Blitz. Desconheço, admito, o carácter de novidade dessa mesma entrevista. Mas não é, também, a mais recente ou anterior publicação desta mesma entrevista que é relevante. É-o, sim, o seu conteúdo, a opinião que a completa, que me dispensa as palavras que escrevo.

Cito as palavras de Fernando Ribeiro para contextualizar: “Nós já estávamos envolvidos na criação de fanzines, de demo tapes e por aí fora e esse espírito nunca nos abandonou. É curioso, porque não havia internet mas havia uma rede, era uma internet antes do seu tempo. O que não havia mesmo era o cinismo. Desse underground, pelo menos a nível do metal europeu, nasceram os maiores valores. Se fôssemos a pensar pequeno e a fazer músicas só para os amigos, tal não teria acontecido. Agora há bandas a editar coisas em cassete. Para quê? Estamos em 2012! É querer ser underground forçosamente e isso tem de nascer contigo. Hoje, a maior parte do underground português odeia Moonspell. Deviam abraçar-nos e aprender connosco.”

Apraz me dizer, perante tal, que o desconhecimento e a presunção andam, normalmente de mãos dadas. Entristece-me que uma banda, chegando ao nível a que chegou, partindo também do underground seja, ela própria, uma crítica do mesmo. Vistas as coisas lá de cima, todo o panorama deverá ser substancialmente diferente. Ou, por ventura, o mesmo se terá alterado sobremaneira nos últimos anos – os mesmos que tornaram os Moonspell um ícone da música nacional – e, por isso, passado completamente ao lado da banda essa transformação. Estamos em 2012, é verdade. E continuam-se a editar coisas em cassete. Mas isto não acontece porque quem edita não tem outra escolha, não pode ou é limitado. Não. Acontece, exactamente, por haver essa escolha. Acontece, porque as bandas querem dar algo mais ao público, a este underground, que apenas música. Acontece porque há quem trate a música, não só pela vertente economicista mas, acima de tudo, pela vertente artística. Acontece porque há pessoas que querem dar mais que música. Querem dar um pedaço de cultura; um pedaço de história, a partir das estórias que contam. Não acontece por querer ser-se forçosamente underground, por se ser preguiçoso, por nos limitarmos à pequenez ou por ser mais... da cena. Este É o espírito. É o substracto. É a substância que compõe o underground. E é, por isso, que agarrou, e continua a agarrar, tanta gente ao longo de tantos anos. É nisto que o underground se diferencia, se torna especial. Não é pequeno ou grande, é... underground. Cada individuo, ou colectivo, tem as suas próprias ambições. Não questionamos que se queira ir mais além; fazer música para os amigos e para os desconhecidos; vender números mais, ou menos, exorbitantes de discos. Mas da mesma maneira que não devemos questionar quem o quer fazer. Quem quer ter uma banda para se abstrair das adversidades do dia a dia – que são cada vez mais -, para se divertir ao fim de semana com um grupo de amigos e de conhecidos. Quem quer editar uma cassete, por puro saudosismo. Porque uma cassete é cool. Porque não acaba pendurada no retrovisor de um carro enquanto derrapamos em óleo olívicola. O mesmo para um vinil. Mas o vinil, suponho, já seja aceitável.

A questão é, portanto, que as coisas não acontecem actualmente pela falta de qualidade ou falta de oportunidade. Temos bandas a editar em cassete com melhor qualidade musical que há anos atrás algumas editariam em cd. Temos bandas a fazer tours internacionais regularmente e sem para isso perder o seu estatuto underground. O underground não é limitado. É underground. Vive da sua essência. O que deverá nascer connosco, caro Fernando, é a integridade artística. Isso sim, é algo que, nem em 2012, se consegue arranjar de outra forma, se não for inato. Não se compra com os discos vendidos. Com o merch produzido ou com as tours realizadas. É por isso que, enquanto projectos como a Shut Up and Play, a Degradagem, a Backwash Records, a Juicy Records, a Infected Records e outros que tais, forem florescendo no nosso país, só poderemos “sentar-nos e aplaudir de pé”. Deviam abraçar-nos e aprender connosco.

João Pedro Cordeiro